segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre o Caos Emocional do Meu Fim de Semana ou da Minha Síndrome de Linus



Nos primeiros meses de vida, graças à atenção e aos cuidados maternos que recebe, o bebê imagina que ele e sua mãe são um ser único. Com a passagem dos meses, ele vai se dando conta de sua individualidade e percebe essa divisão. Mais que isso: descobre que a mãe nem sempre está presente para saciar suas necessidades e, por isso, acaba buscando em um objeto para essa fase de transição o apoio de que precisa, especialmente na hora de dormir. Esse objeto é o que psicólogos chamam de "objeto de transição". O mais famoso é o cobertor do personagem Linus, da Turma do Charlie Brown. Enfim.

Quem me conhece mais intimamente sabe que tenho um cuidado muito especial com a minha cama. Meu quarto geralmente está uma zona, mas minha cama impecável, nunca nem sento na minha cama sem tomar banho e trocar de roupa antes, meu cobertor sempre cheirosinho. Meu cobertor Parahyba, aquela mantinha de lã com beirinhas soltas na ponta, com a qual eu dormia todas as noites, mesmo sob um calor de 35 graus, tão recorrente em Taubaté. Eu, com 27 anos ainda dormindo toda noite com meu objeto de transição, obvio que era zoada pelos meus amigos e pelo Lucas ( e provavelmente serei por você que me lê!).
Bom, essa semana roubaram o carro do Lucas. Fomos num pub tomar uma breja e quando voltamos o carro não estava mais lá. Muita coisa minha dentro do carro. Um par de sapatos, estojo de maquiagem, meu livro do Gregório Duvivier e.... Caramba, meu cobertor de beirinhas. Eu adulta, liguei pra policia, fui até a delegacia com o Lucas, o necessário e depois.... Sentei e chorei. Mas chorei igual eu chorava quando ficava de castigo. Fiz um bico enorme e fiquei coçando os olhos enquanto o mar de lagrimas vertia dos meus olhos. Minha mãe ria do meu jeito de chorar na infância por que era muito exagerado (ah vá!) e provavelmente se ela tivesse me visto, teria rido de novo.Eu já não chorava assim desde de os anos 90 quando menstruei e achei por bem que não era mais criança e que se meu nariz já era grande em meu estado normal, melhor evitar lágrimas para inchá-lo. 
Seguros seguram carros, casas e até bumbum de Panicat, mas não tem seguro pra objeto de transição e mesmo se houvesse, que dinheiro paga meu cobertorzinho velho? To chorando escondida desde sábado, a mercê do julgamento alheio ("Mas cade a mulher feroz que se banca, põe a cara pra bater, se mete em manifestações cheias de bombas da policia? Chorar por um cobertor , me poupe!"). Pois eu concordo com todos vocês. Sou besta mesmo. Perdi meu cobertor, dormir ficou vazio. 
Ainda houve uma esperança quando a policia ligou ontem de madrugada dizendo que haviam localizado o carro. Mas ao abri-lo, não havia nada dentro. Compreensível que se leve embora o sapato, a maquiagem, o livro. Mas que cargas d'água estão fazendo com meu cobertor esses bandidos? Quem rouba objeto de transição não é bandido, traficante, ou whatever. Quem rouba objeto de transição são malvados fanfarrões com aquelas mascaras , boina e camisa listrada. O Bicho Papão, ou sei lá, o Boideia (um monstro que eu mesma inventei na primeira infância e de quem tinha um medo feroz!) Malvados, malvados! Com isso, não vejo nenhuma diferença entre meu pranto e o das crianças que ajudei a adaptar no maternal esse ano.
Esses dias morreu o Bolanhos. E o que se viu foi uma onda de adultos infantilizados aos prantos nas redes sociais. Morre o Chaves e fica a estranha sensação tipo quando seu amigo se muda para outra cidade e você não tem mais com quem brincar. No fundo somos todos iguais. Eu ainda vou chorar mais um pouquinho pelo meu objeto de transição (apesar dos meus pais terem prometido me dar um igualzinho de Natal, nunca vai ser a mesma coisa), mas você com certeza fez fila no Mc Donald's pra comprar um bonequinho do Super Mário, estamos no mesmo barco. No fundo, todo mundo só quer um um pedaço da infância de volta de vez em quando. Do contrário Sérgio Mallandro não estaria tão na moda. 




































quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Mesa Antiga

Um frio miserável. Subiu a alameda arborizada e passou os portões. A cidade era agora um borrão amarelado, parecia toda suja.  Viu de longe Lola acenando, um alivio " Que saudade de você, Angela!Veio finalmente buscar seu diploma?" riu a amiga "Ele não me faz a menor falta. Pode usar ele de papel toalha no banheiro feminino, as arvores agradecem." Caminharam pelos corredores amadeirados. Lola riu, abraçou a amiga. Sabia o motivo da visita repentina "Você vai realmente fazer isso?" "Vou. Laura tem quinze anos, completou mês passado. Nunca me perguntou nada a respeito, para ela sempre foi tudo muito natural. Um alivio ela não querer fazer festa, essas coisas pedem tradições inúteis, não queria grilos na cabeça da menina, ela quis ir a Disney com umas amigas, achei justo, ela foi. E eu vim por que achei justo ele saber as coisas que aconteceram." sentaram-se numa mesa da cantina. Lola pegou um café " Ele não é a melhor das pessoas, você sabe disso, aliás, o tempo só tratou de piorá-lo...." "Ora me conte uma novidade." "Novidade? Ele é chefe do departamento agora." "Essas paredes devem transpirar ética ." Lola riu  "Até tinha esquecido que essa palavra existia." E então calou-se abruptamente. Cumprimentou com sorriso amarelo uma mocinha muito pálida e magra, de cachecol e cabelos revoltos. " Se eu te contar quem é essa figura..." "De quem se trata?" " É nosso primeiro lugar na prova do mestrado.  Mas se duvidar não consegue colocar letras em ordem alfabética, coitada, dei aula pra ela em duas cadeiras, foi muito complicado..." "E como pode essa pessoa ter chegado no mestrado? Aliás, você aprovou essa guria como?" Lola sorriu sarcástica "Esse instituto é uma ilha cercada de ética por todos os lados, lembra? " " Favorecimentos existem desde que o mundo é mundo pelos mais variados motivos." "Nesse caso o motivo é o apreço imenso que nosso chefe de departamento tem por ela."  Por que uma coisa daquelas não a surpreendia?  "Na verdade" continuou Lola " É bom que você saiba. Talvez você queira dizer a ele a verdade sobre Laura, mas pense bem antes, por que ter esse tipo de sujeito de volta na sua vida talvez não seja das melhores opções. Ele está respondendo dois processos por assedio sexual. Duas alunas, uma delas caloura, menor de idade. Foi muito sério... E abafado, claro. " Ângela sorriu fitando na janela o horizonte montanhoso  "Isso só me dá certeza de que tomei a atitude mais acertada sumindo daqui." "Você ainda quer dizer a verdade?" "Sim." "Olha, Laura é uma moça linda, você fez um bom trabalho, se me permite dizer, não jogue fora os últimos 15 anos." Mas não se tratava de jogar fora o que quer que fosse. Se tratava de justiça. Ele não poderia mais inocentar-se diante de si mesmo por não ser presente, por não saber a verdade. O fato de não ter lhe contado antes apenas servia para fazer com que ela mesma também inocentasse toda a ausência que ele fora nos últimos anos e não era certo, nem justo continuar com aquilo. Sabia que poucas coisas mudariam na verdade, ou talvez nada. Ele costumava ser indiferente com o que representasse impedimento ao progresso do caminho que traçara para si, pulverizando como uma praga qualquer o que lhe servisse de barreira. Mas, ainda assim, era justo que soubesse sobre Laura pois agora seria consciente de sua própria ausência. "Não se trata de jogar fora, enfim, tenho minhas razões." Lola soltou um suspiro resignado " Ele está lá em cima na sala dele. Esse horário está sozinho, a fulana que passou pela gente já terminou o serviço por hoje, esse cara é tão sistemático que tem hora marcada até pra ganhar boquete!" depois corou por que não era dada a falar essas coisas, mas não resistira a piada. Ângela sorriu para Lola e viu nela uma iminência de cabelos brancos no canto direito da testa "Oh céus. " e lá fora a neblina se dissipava conforme  o sol subia. Subiu as escadas de madeira. Bateu na porta. "Pois não." ele disse lá de dentro com aquela mesma voz mediana. Abriu. Ele obviamente  levou um tempo até conseguir saber que se tratava de Ângela. Levantou-se "Mas... Mas ora, que coisa... Você por aqui! Mas que ventos a trazem depois de tanto tempo...?" ela não respondeu. Enquanto ele soltava palavras sem sentido e perguntas sobre ela e seus motivos, ela abriu a bolsa com cuidado e tirou de dentro um envelope branco. Jogou em cima da mesa "O que é isso?" ele ainda perguntou " Eu não vou ficar aqui para te ouvir duvidar da verdade" ela disse enquanto ele tirava de dentro do envelope as fotos de uma menina que lhe pareceu amedrontadoramente familiar  "Na verdade você vai ver que a natureza foi  generosa com ela, apesar de ter essa sua mesma cara ela tem muito pouco de seu gênio. Enfim, não há como duvidar, é sua. A ignorância foi um álibi pra você até hoje. Agora não é mais. Faça o que quiser com isso." e saiu dali com a mesma placidez que entrou, seus olhos enjoavam só de ver aquele rosto, desceu as escadas e se perguntou como semelhante criatura poderia ter resultado numa moça tão boa quanto a própria filha. 
Ele, por sua vez, sentado frente aquelas fotos só conseguia pensar em como Ângela havia engordado . Riu sozinho "O tempo acaba com as pessoas mesmo" e, sem obviamente olhar-se no espelho, recolheu as fotos e jogou-as na gaveta. E lá elas ficaram até  ele ser promovido a diretor do instituto e ter de mudar-se para uma sala maior, e consequentemente, mudar-se para uma mesa maior. Levou consigo para a nova mesa maior apenas um cinzeiro de mármore e um porta papéis com o brasão da universidade. A antiga mesa foi doada para uma Escola Estadual no subúrbio, com suas gavetas e seus velhos papéis.