terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Adorável Vida de Catarina no Metrô

* Para nossa adorável Catarina em São Paulo existem dois tipos de pessoas: As bem amadas e aquelas que ficam paradas feito um dois de paus no lado esquerdo da escada rolante do metrô. Ela, pessoa calma e controlada que era, tinha vontade de esfregar no asfalto quente a cara de quem travava o caminho, descendo lentamente a escada rolante, enquanto o metrô, parado na estação, está apitando enlouquecido avisando que vai fechar as portas!Tanto lugar pra fazer turismo, vai ficar observando o que dentro da estação do metrô?

* Catarina acha a linha azul do metrô paulistano inspiradora. O auto falante anuncia: Estação Paraíso... E ela pensa que vai pular do vagão direto no gramado do Éden, nadar em rios de leite e mel e encontrar todos os terroristas suicidas tentando dar conta das setenta virgens que herdaram de Ala.

   O mesmo se dá quando ouve "próxima estação: Liberdade!" . Sua cabeça logo imagina que, saltando do metrô, encontrará o Zé Celso Martinez correndo pelado, enquanto a policia pixa as paredes com palavras de ordem anti-psdbistas! Ou que sairá do vagão voando, como numa propaganda de amaciante, livre, tão livre que ao seu lado logo aparecerão Caetano e Gil na época da Tropicália, voando também, assim como a Rita Lee, num fundo colorido, tocando bandolim... Pensando bem, na verdade o nome da estação deveria ser lsd....
* Catarina acha que os vagões da linha verde parecem quartos de hospital e cheiram a xixi. Mas a moça do auto falante é tão simpática que quase te convence a ficar por ali e tomar uma xícara de café.
*Na linha vermelha não tem moça simpática no auto falante. O maquinista mesmo é quem narra as estações. Geralmente de bem com a vida, ele só falta mandar a população pra puta que pariu logo depois de dizer que estão chegando na estação da Sé.  Que, assim como todos os vagões da linha vermelha, está sempre cheia. Como se os 11 milhões de habitantes de  SP morassem todos na zona leste!


* Catarina, como toda professora, trabalha like a dog e esse dias , ao pegar o metrô na Barra Funda acordou só na Corinthans Itaquera. Depois de quase morrer de susto, acabou descobrindo que isso é tão normal que não se sabe ainda como o Globo Reporter não fez uma reportagem sobre paulistanos que dormem no transporte público.


*No final das contas Catarina acha o metrô uma coisa muito linda, por que é caipira. Quando criança ia para a capital com o pai e achava que andar de metrô era a parte mais divertida do passeio. Para ela não havia como ter tédio naquela cidade!Era só correr para estação mais próxima e partir sem rumo pela paulicéia desvairada! 



terça-feira, 6 de novembro de 2012

Tia Nice


     A casa da Carol, pra mim, sempre representou essa coisa assim meio refúgio, por que ela, de todas nós, era a única que jamais havia se mudado de casa desde que a conhecemos, e o conjunto das coisas dentro de sua própria casa mudara muito pouco também desde então.
   E hoje eu quero falar das férias em 1996 que a gente ganhou o CD das Spice Girls e passou o tempo todo dançando e jogando taco na rua, ralando a tampa do dedão do pé. Depois eu quero falar também de 1999 quando a gente ouvia Raimundos nas noites quentes de verão e achava que era roqueira. Eu quero falar de 2000 quando ficamos de recuperação final de matemática e estudamos como doidas na mesa da cozinha para não ir pra recuperação de verão, evento que poderia nos traumatizar pelo resto da vida (Deus me livre ficar sem férias!). Eu quero falar de 2001 quando tinhamos enormes listas de exercicios, intermináveis, e nenhuma disposição pra fazer.
     Enquanto tudo isso acontecia, os anos passavam, menstruamos, cresceram os peitos, perdemos a virgindade , aprendemos a fumar, começamos a beber. Enquanto os anos passavam nós fomos e voltamos, mas a casa era sempre a mesma. Por que enquanto tudo acontecia, Tia Nice acordava a gente às seis horas da manhã para tomar suco de beterraba com cenoura. E depois na hora do almoço ai da gente se não comesse direito! Era a bendita da lazanha com batata frita e por fim uma fruta. Eu nunca gostei de frutas mas eu comia assim mesmo muitas vezes. Por que se eu falasse que não gostava de frutas, era triste, ela contava todas as qualidades, era bom pra saude, que coisa! E enquanto a gente estudava pra prova de recuperação tudo aquilo que não tinha estudado ano todo, ela fazia mil e uma promessas, rezava pra gente e quando a gente passava vinha de novo a lazanha e a batata frita para comemorar e o bolo de cenoura também. E haviam aquelas noites de domingo jogando caxeta e os dias que eu acordava mais cedo e ficava lá na cozinha conversando com ela enquanto a Carol não acordava. Enfim, houveram mais de mil coisas impossíveis de serem listadas ou ditas, apenas acontecidas.
    Uma aluninha me disse uma vez que o chato de ser adulto é que as pessoas que a gente gosta vão embora. Na época achei esse um pensamento profundo demais pra uma criança de seis anos, mas nunca fez tanto sentido como agora. Acabei de completar quarto de século e a vida todos os dias esfrega na minha cara "Garotinha, nada será como antes." Para o bem ou para o mal, o tempo trata de levar tudo embora, refúgio ou tempestade.
   Gosto todavia das adultas que nos tornamos e da capacidade de nos mantermos juntas mesmo distantes, há anos eu não via a Priscila, há tempos não conversava com a Fernanda. A Talita tinha meses que nem sabia dela, e no entanto todo mundo estava lá, bebendo uma cerveja no meio de um funeral! Não somos insensíveis, somos sensatas, não há que se morrer junto, não há que se derrubar. É dificil dizer no meio desse furacão todo se um dia essa coisa incômoda vai sair do coração e da garganta da gente, mas estamos tentando, isso é parte também das crianças que fomos, das raizes que criamos e em todas essas horas Tia Nice estava lá.   Justo que se beba em sua memória, que se ria de suas lembranças. O choro vem, assim meio besta, quanta bobagem, no fundo fomos todas criadas pela tia Leila, pela tia Vera, pela tia Fatima (aquela tosa!), pela tia Nice, pela tia Rita , pelo tio Sergio, entrando e saindo dessas casas, abrindo geladeiras, levando broncas, a Thais ligando pra mãe dela ir buscar ela (um clássico!) e todos esses fragmentos de vida. Ainda há muito que se viver.
    Daí, depois do fim, a Priscila ainda disse "Bom é ter do que lembrar..." e eu concordei com ela. Bom é ter do que lembrar. Que pelo menos isso o tempo não leva, nossa memória e a capacidade de transporte no tempo que ela  nos traz.  O poeta disse que quem lembra tem. Então, com toda certeza, teremos a Tia Nice sempre junto com a gente. Sem mais.