segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Sexto Mandamento VI



" O problema é a saudade do pecado. É a memória dos sentidos. Essa sim é perigosa e nos faz sentir falta daquilo que não deveríamos sequer ter feito a primeira vez. Ela nos faz persistir  em certos delírios incertos e nos faz mergulhar em tragédias que são por vezes mil vezes anunciadas, mas que nosso ouvidos insistem em ignorar..." (baseado no que Padre Nelson disse a Frei Malthus em "Hilda Furacão". Mas ele poderia tê-lo dito também a Catarina...) 





      "Vou embora agora... A noite já vai avançada..." ele disse. Catarina, por sua vez, revirou-se na cama. Sentia-se uma estranha de si mesma, como se visse o própio corpo de fora, e mesmo dentro de todos os sentimentos que corriam dentro de si como fluidos, ela questionou. A voz baixa, quase um murmúrio "Que dirá você à pobre coitada, a hora que finalmente chegar em casa, com cheiros outros que não são os dela?" ele riu de lado, abotoava a camisa "Não sinta remorsos, professora, voltarei todo todo pra ela, que é capaz de nem perceber que estive fora..." e ela, num estalo lúcido "Você jamais se casaria com uma mulher minimamente esperta, não é?" e ele continuava sorrindo, terminando de vestir-se " Ô professora, vê se entende de uma vez por todas, não fosse a senhorita, seria outra. A gente que é homem é criado pra isso mesmo, não foi a primeira nem a última vez. No mais, a senhorita divertiu-se deveras. Pensa que não vi?"  E ela odiou-o por estar tão correto "Você deve ser um ótimo ator dentro de casa, ela não deve desconfiar de nada. Na verdade, eu também não desconfiaria, somos todas umas otárias.." e ele riu " As coisas são como são e não como deveriam ser."
            Aquela noite ressoou na cabeça de Catarina muito mais do que ela poderia supor. Já não tinha mais foco, andava mole, difícil levantar-se as cinco e quarenta e cinco da manhã naquele frio, ela que nunca tivera problemas com nada. Dar aulas tornara-se um grande martírio, a sala de aula lhe perturbava, o zumbido das crianças cochichando, o barulho do lápis cortando o papel, o sinal estridente marcando as horas, tudo era motivo de irritação. Antes era até boa com os pequenos. Agora a repreensão. 
      Quanto ao pequeno aluno, filho daquele que a atormentava, a criança lá na ultima carteira, fazia esforço sobre humano para enxergar. Por que a despeito dos belos olhos, ostentava também bela miopia. O pobre do menino, alheio a tudo que passava, levava nos ombros sozinho todo ônus daquilo que seu pai causava e sua professora dissimulava.
        Às onze em ponto novamente ela apagou  luz do quarto e abriu a janela do quintal. O vulto pulou para dentro. O quarto em penumbra estava convidativo para a ocasião "Oh céus, eu não deveria fazer isso novamente..." ela suspirou enquanto fechava a janela " Se contar a alguém, digo que invadiu o quarto e me forçou a  tal coisa. E que o fiz para proteger minha madrinha..." e ele, como quem bate continência a um superior, respondeu-lhe "Sim, senhorita!". As mulheres passam a vida se justificando a cada ínfima vontade que têm de fazer aquilo que os homens sempre fizeram sem maiores problemas, ela pode constatar bem.
        E assim foi, durante todas as noites. Uma semana inteira. Por que o dia chegava, mas quando a noite caia, sua cabeça em outra coisa não se fixava. Ansiava. E perguntava-se se aquilo cessaria com sua partida. Por que não poderia continuar assim.
       Era sexta feira, e ela já ia exaurida pelos cantos "Estás doente, Catarina?" perguntou-lhe Elena "Talvez..." respondeu-lhe com certo sorriso nos lábios, a cabeça envolta em delícias ."Tem uma mãe de aluno querendo falar com você..." A Elena ainda disse e Catarina logo viu, a mãe do menino, a esposa infeliz: "Meu pequeno tem ido tão mal nos testes..."ela pode reparar melhor nas mãos tão brancas da pobre mulher, tinham então a mesma idade e sinas tão parecidas, mas distante como elas eram, queria abraçar-lhe e dizer  "Não és a única vítima..." mas talvez  aquela pudesse ser a mais feliz das mulheres do mundo, como julgá-la? Ela que mal tinha voz, Catarina fazia um esforço sobre humano para ouvi-la "Tenho pena de meu filhinho..." e também ela, Catarina, o teve. Do menino e de si mesma que não tinha mais forças pra fugir e só se deixava levar. Mas algo em si já ia esvaziando-se de sentido. Tinha ainda uma semana em Mariana. 

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