segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Sexto Mandamento VI



" O problema é a saudade do pecado. É a memória dos sentidos. Essa sim é perigosa e nos faz sentir falta daquilo que não deveríamos sequer ter feito a primeira vez. Ela nos faz persistir  em certos delírios incertos e nos faz mergulhar em tragédias que são por vezes mil vezes anunciadas, mas que nosso ouvidos insistem em ignorar..." (baseado no que Padre Nelson disse a Frei Malthus em "Hilda Furacão". Mas ele poderia tê-lo dito também a Catarina...) 





      "Vou embora agora... A noite já vai avançada..." ele disse. Catarina, por sua vez, revirou-se na cama. Sentia-se uma estranha de si mesma, como se visse o própio corpo de fora, e mesmo dentro de todos os sentimentos que corriam dentro de si como fluidos, ela questionou. A voz baixa, quase um murmúrio "Que dirá você à pobre coitada, a hora que finalmente chegar em casa, com cheiros outros que não são os dela?" ele riu de lado, abotoava a camisa "Não sinta remorsos, professora, voltarei todo todo pra ela, que é capaz de nem perceber que estive fora..." e ela, num estalo lúcido "Você jamais se casaria com uma mulher minimamente esperta, não é?" e ele continuava sorrindo, terminando de vestir-se " Ô professora, vê se entende de uma vez por todas, não fosse a senhorita, seria outra. A gente que é homem é criado pra isso mesmo, não foi a primeira nem a última vez. No mais, a senhorita divertiu-se deveras. Pensa que não vi?"  E ela odiou-o por estar tão correto "Você deve ser um ótimo ator dentro de casa, ela não deve desconfiar de nada. Na verdade, eu também não desconfiaria, somos todas umas otárias.." e ele riu " As coisas são como são e não como deveriam ser."
            Aquela noite ressoou na cabeça de Catarina muito mais do que ela poderia supor. Já não tinha mais foco, andava mole, difícil levantar-se as cinco e quarenta e cinco da manhã naquele frio, ela que nunca tivera problemas com nada. Dar aulas tornara-se um grande martírio, a sala de aula lhe perturbava, o zumbido das crianças cochichando, o barulho do lápis cortando o papel, o sinal estridente marcando as horas, tudo era motivo de irritação. Antes era até boa com os pequenos. Agora a repreensão. 
      Quanto ao pequeno aluno, filho daquele que a atormentava, a criança lá na ultima carteira, fazia esforço sobre humano para enxergar. Por que a despeito dos belos olhos, ostentava também bela miopia. O pobre do menino, alheio a tudo que passava, levava nos ombros sozinho todo ônus daquilo que seu pai causava e sua professora dissimulava.
        Às onze em ponto novamente ela apagou  luz do quarto e abriu a janela do quintal. O vulto pulou para dentro. O quarto em penumbra estava convidativo para a ocasião "Oh céus, eu não deveria fazer isso novamente..." ela suspirou enquanto fechava a janela " Se contar a alguém, digo que invadiu o quarto e me forçou a  tal coisa. E que o fiz para proteger minha madrinha..." e ele, como quem bate continência a um superior, respondeu-lhe "Sim, senhorita!". As mulheres passam a vida se justificando a cada ínfima vontade que têm de fazer aquilo que os homens sempre fizeram sem maiores problemas, ela pode constatar bem.
        E assim foi, durante todas as noites. Uma semana inteira. Por que o dia chegava, mas quando a noite caia, sua cabeça em outra coisa não se fixava. Ansiava. E perguntava-se se aquilo cessaria com sua partida. Por que não poderia continuar assim.
       Era sexta feira, e ela já ia exaurida pelos cantos "Estás doente, Catarina?" perguntou-lhe Elena "Talvez..." respondeu-lhe com certo sorriso nos lábios, a cabeça envolta em delícias ."Tem uma mãe de aluno querendo falar com você..." A Elena ainda disse e Catarina logo viu, a mãe do menino, a esposa infeliz: "Meu pequeno tem ido tão mal nos testes..."ela pode reparar melhor nas mãos tão brancas da pobre mulher, tinham então a mesma idade e sinas tão parecidas, mas distante como elas eram, queria abraçar-lhe e dizer  "Não és a única vítima..." mas talvez  aquela pudesse ser a mais feliz das mulheres do mundo, como julgá-la? Ela que mal tinha voz, Catarina fazia um esforço sobre humano para ouvi-la "Tenho pena de meu filhinho..." e também ela, Catarina, o teve. Do menino e de si mesma que não tinha mais forças pra fugir e só se deixava levar. Mas algo em si já ia esvaziando-se de sentido. Tinha ainda uma semana em Mariana. 

Chique, benhê!

O jornalista Fabio Seletti fez uma matéria super fofa sobre o blog pro jornal  "O Liberal" da Região dos Inconfidentes !! Estamos chique, heim benhê????

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Divina Comédia da Vida ( desabafo sobre meus dias em Mariana)

        Sentada na varanda da minha antiga República. Eu obviamente passei os últimos dias repensando em minha vida e em quanta coisa já aconteceu. E, meu Deus, quanta coisa já aconteceu! A cidade mudou muito pouco, mas as pessoas vieram e se foram, e há algo em mim que morreu. E isso me pareceu tão grande....
           Há  também a saudade daqueles dias, na qual vejo que muitos de meus ex-companheiros ainda estão imersos. Há, ás vezes, a sensação de jamais ter saído daqui, dada a igualdade de certas situações, como se o último ano e meio não tivesse acontecido ( e na verdade foi um ano de visceral dor e luto, difíceis mas necessários, a metáfora da fênix se enquadra aqui, mas prefiro deixar pra lá. Esse texto já está cheio de clichês), mas antes de tudo teve o confronto comigo mesma
           Houve uma Dani que morou aqui uma vez que era muito mais jovem e tinha dentro do coração mil e um sonhos e nenhuma ideia de como realizá-los. Houve uma Dani que morou aqui e era de uma inocência atroz. Houve uma Dani que morou aqui que se afundava em tédio, depois em preguiça. Houve uma Dani que  morou aqui e que tinha acessos de raiva ao sentir morrer seu potencial criativo, ruminando uma faculdade que não gostava e um relacionamento doentio. Houve uma Dani que morou aqui que rezava para ir embora de uma vez e que isso doesse o menos possível. Nenhuma das duas preces foram atendidas. Deus jamais deixa de nos dar o que é necessário ao espirito. Nem que seja a dor.
        O confronto foi forte, como se nos tivéssemos trombado na rua, como se dois carros em alta velocidade se chocassem. Com o impacto caímos as duas por instantes, presente e passado, mas o presente falou mais alto, levantei-me, me vi de frente, finalmente mulher. Finalmente me encaro, aos 24 anos, com um pezinho no abismo misterioso do destino, pronta pra fazer malas de novo e ir em busca do próprio sonho.  
        Foi de fato uma surpresa. Eu tinha tabus e tinha meus medos. Me julgava relegada ao esquecimento, ora essa, a vida me mostrou como meu próprio vilão mora dentro da minha própria cabeça, eu que sempre me dediquei tanto... Não fui esquecida como pude constatar, neurose minha, mas fui deveras esperada, pelos bons amigos que Deus me deu.
        Passamos todos por um processo duro de amadurecimento no ultimo ano, que destroçou sem nenhuma pena tudo aquilo que restava de inocência na nossa existência. E durante muito tempo de trevas, eu não tive a minima esperança de que aquilo pudesse de fato passar. Mas passou, minha gente, passou. E a Dani que caminha por essas ruas, que visita essas ladeiras e abraça essas pessoas é deveras leve e bem amada . (amém)  
       A vida caminha para frente como um trator, por mais que se queria parar no tempo, ele te empurra. Isso eu tenho dito muitas vezes por esses dias por que nunca essa constatação me pareceu tão certa. Aqueles que aqui ainda moram, remanescentes daquela época me parecem meio perdidos no limbo das novidades, loucos para também fugirem daqui. A vida há de nos separar a todos se tivermos sorte. Por que é isso que sempre quisemos.
         E são duas igrejas na mesma praça, e são colinas de um verde de fazer doer os olhos, é a torre do colégio onde trabalhei, é o cheiro da casa onde morei, é o jeito manso de falar, são os sinos que não param de tocar, tudo isso me fez ver que a minha vida assim mesmo seguiu, como o trator do tempo tratou de esmagar alguns antigos sonhos cheirando a mofo, tratou de me trazer os novos para ocupar-lhes os espaços. Já era hora. 
         Não sei quando se deu isso, mas não me refiro mais a mim mesma como garota. Por que não cabe mais. Sou mulher não por escolha, mas por que o tempo quis assim. Parece bobagem, mas é o espelho embutido no espirito que dá toada daquilo que vemos refletido do lado de fora.
Finalizando, tem sido libertador. Essa é a palavra... Ainda tenho mais uns dias por aqui , e amanhã talvez caia o último dos tabus que ainda não enfrentei. Como nos filmes de ação, o embate mais difícil é sempre o ultimo. Pois que venha  e se vá. Já é hora de sorrir e seguir em paz. Já foram lágrimas demais....




ps: o ultimo dos tabus caiu, leve como uma folha seca de uma arvore, sem nenhuma dor, sem nenhuma vontade. Simplesmente caiu por terra , deixando nenhum rastro. A vida vai se encarregar de  fazer justiça as magoas que deixei pra traz. Mas como repeti ontem a exaustão, não estarei aqui pra ver a derrocada. Icebergs degelam por dentro em silencio e quando menos se espera paredes de gelo milhares de anos conservadas vão abaixo, como o castelo de cartas  fragil que sempre foi. Mas até ai estarei longe demais pra me lembrar.....

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Sexto Mandamento V


Parte 5:
       
     Meses antes havia se falado na possibilidade de transferência de Catarina para uma escola em Santa Barbara. Ela, que jamais contestara ordem alguma, apenas ouvira o ruido e calara-se, torcendo para que não precisasse sair de Mariana com a madrinha idosa. Mas, quando o diretor chamou-a numa sexta feira, antes da aula da noite: "Serás a nova diretora do grupo escolar de Santa Barbara"  ela não sabia se ria ou chorava de alivio. "Deus sabe o que faz ..." a Elena ainda lhe disse. E ela quis acreditar.
    Mas tão providencial fuga não ocorreria tão rapidamente, era preciso terminar o semestre, para evitar maiores desastres pedagógicos. Ainda haviam então duas semanas restantes de martírio. Mas ele todavia não parecia muito afeito a esperas : "E então?" "Então é não, oras ! Não enxerga o tamanho do absurdo?"  e ele apenas riu sabendo que no absurdo morava toda a graça da coisa, e insistiu algumas vezes, já que ela, mesmo negando, não saia dali, não se movia. O corpo arrepiado, como se um vento gelado lhe cortasse a pele em sobressalto, o coração poderia saltar-lhe pela boca se se descuidasse "Ora, não seja assim birrenta, veja bem professora, a senhorita acha mesmo que é certo deixar de lado certas vontades, quando em sacia-las fará muito melhor coisa a manter-se intocada, afogada em desejos? e ela não teve argumentos e também não desejou tê-los "Minha janela dá para o quintal, moro só com minha madrinha. Não faça barulho, esteja por lá as onze..." 


Lights go out and I can't be saved, 
tides that I tried to swim against, 
you've put me down upon my knees, 
oh I beg, I beg and plead.... (Clocks - Coldplay)


       O vulto pulou a janela como um felino, envolto em silêncio tão denso que ela se assustou quando finalmente o viu chegar. Os olhos faiscavam na penumbra do quarto, ela procurou não olhá-lo diretamente.
 "És casado!" ela ainda murmurou "Não podes andar por como um rapazote solteiro a se divertir com as moças da cidade. No mais, sou uma moça séria... Sua esposa também o é." ele riu "Séria ela é sim, assim como você, professora. Mas que vantagem há nisso, hã? Oh céus, é tudo tão igual.  Se um dia houve amor, acabou." Catarina desvencilhou-se, furiosa " O fato de não existir amor  não faz de vocês menos casados! Compromisso que você assumiu diante de Deus, crie vergonha, homem!É melhor agora que saia..."
        Ele não saiu. E seria inútil descrever o que se seguiu. E também não poderia ser menos óbvio. Ela ainda pediu-lhe calma, no que não  foi atendida "Impossível..." ele balbuciou pouco antes de fazê-la sentir a dor seca de sua impaciência adentrar-lhe o corpo sem piedade. Sangrou como se houvessem lhe metido uma facada no ventre ao fim de tudo, por que, como todas as moças solteiras de sua idade, era maquinalmente virgem até então. 
        Ele por sua vez fazia o que lhe dava na cabeça. Cabeça essa mil vezes mais experiente e imaginativa do que a dela, passando por cima de dores e estranhezas, mas falando boas coisas em horas certas, palavras da filosofia banal inerente as alcovas e que ele dominava.
       Mas para Catarina não havia filosofia, não havia mais tempo, nem pensamento, tudo ia tão rápido, mas parecia nunca acabar e ela mal podia respirar ao fim de tudo. Cobriu-se rapidamente por que não acostumara-se ainda a visão do próprio corpo em pelo. Ouviu ao longe o apito da locomotiva. Era meia noite e quarenta.

"Esse foi o dia em que matei a ética.... Como se em algum momento na história da humanidade ela tivesse vivido. Se não morta, talvez apática, imóvel e parada, vendo seu nome ser citado em demagogias massantes. Talvez a ética já tenha se suicidado há muito tempo também. Só eu não vi." (Diário de Catarina 16/06/1942)




terça-feira, 17 de julho de 2012

Xavier

           Empurrei Pedro escada abaixo por que era melhor morto do que perambulando por ai. E acabei concluindo que estava louco quando ouvi gritar a Matilda dentro de seu avental branco "Xavier enlouqueceu!". E de fato estava mesmo louco, por que ninguém mata ninguém, como eu fiz, estando num momento de calma mental.
        Se houvesse ficado vivo, Pedro ainda estaria por aí, atrás de bons lugares onde colocar seu entumecido membro viril, mesmo contra vontades alheias, ele não valia muita coisa mesmo, pensando bem,
foi um favor que fiz ao mundo. Sua queda escada abixo chegou a ser até bonita.
          Mas eu estou maluco, claro, aqui sempre foi assim, Eles , os padres, (cujos nomes Matilda nunca diz, como se ao dize-los, invocasse demônios), dizem tudo, e se você não concorda você está louco, simples assim.
       E eles disseram "Pedro é perigoso, precisa ir embora!". E ele estava indo mesmo, para ele tanto fazia,  mas eu decidi que não, ele ficava e ficou mesmo, tá enterrado no cemitério ao lado da capela, a familia tem um jazigo lá.
       Meu quarto ficou vazio, eu disse que havia sido acidente , a Matilda se benzeu, é  unica mulher por aqui, obviamente é feia e velha, nossas líbidos passam longe dela. Meu quarto vazio e mais seis meses de qualquer outro companheiro de quarto a querer me perguntar se eu matei mesmo o Pedro ou se foi acidente. Matilda viu, mas quem leva as mulheres a sério?
       O Pedro me chamava de Nanico , mas não era tal gigante , uma noite perguntou-me se não era bonita a Mary Anne . Respondi que era sim, eu a tinha visto na festa da páscoa , veio com uma cesta de doces, os dois um dia ficariam noivos, era mesmo muito bela a Mary Anne. Ele riu-se, eu nunca teria uma mulher daquelas, baixinho dese jeito, ele enfatizou. A vagabunda não o deixava tocá-la, mas eu deixei que ele o fizesse "Vire-se então, Nanico..." a principio veio a dor,  e isso Eles aprovavam. Toda dor nesse mundo é permitida , depois disso nem as cores foram as mesmas.
     O Liceu  é todo feito de escadas de madeira bem lustrada, ainda é novo, mas amanhã será mal assombrado, eu lhe dei o primeiro fantasma: Pedro, que não vai mais embora.
       Se despediu de mim com um safanão " Te vejo por ai, Nanico!" pegou sua mala e foi descendo as escadas, deviam ser seis e meia, o mundo jantava  e eu o empurrei.  A vida seguiu, mas Pedro ficou.

domingo, 15 de julho de 2012

O Sexto Mandamento IV



Parte 4:Boas Moças,  Bons Conselhos

  

    Caminhou pelo quarto a noite toda, sem sono. Como, oh céus, aquele homem conseguira descobrir o que se passava com ela? O certo era que denunciara-se, mas como? 
      Ele apertara sua mão, agora conhecia-lhe também o toque, o que só serviria para aumentar-lhe o tormento, encheria seus sonhos de sinestesia, não era justo aquilo, oh meu pai! 
      Na aula seguinte não pode esconder sua perturbação. Sem jeito, quebrava o giz no quadro negro, derrubava o apagador, gaguejava. Enquanto o aluno, do fundo da sala, apenas observava. Divertido, como todo escroque, assistia-lhe o estabano com delícia. Era mesmo um pitéu aquela professorinha...   
       No final da aula deixou-lhe uma folha sobre a mesa "Fiz uma redação, professora. Sei que em breve teremos provas, quero tirar boa nota." e os outros alunos não viram nada demais em tal coisa, por que é normal um aluno se aplicar. 
       Ao ler a suposta redação, ruborizou. Depois guardou o papel dentro da bolsa, amassando-o com pressa. Caminhou para casa, passos largos, desesperados, em meio a tempestade que se formava.       A agonia já ultrapassava qualquer limite por ela tolerado e no dia seguinte, não pode se conter mais, e acabou abrindo-se com Elena, que tinha pensamentos modernos, porém sensatos, e haveria de ajudá-la a encontrar alguma solução.
          A amiga, também professora, caiu sentada ao ouvir a narrativa de Catarina: "Mas é um absurdo! Em meus três anos de magistério, nunca vi semelhante disparate!" E Catarina chorou "Eu sei! Mas não parece normal, tenho ganas de matá-lo quando o vejo, virá-lo do avesso! Só de lhe ver os olhos me ponho mais e mais perturbada. Isso só faz crescer e, mais ele se aproxima, mais quero não querer, todavia nunca quis tanto algo na minha vida como desejo isso... Chega a doer, Elena... Chega a doer."
     Elena abraçou a amiga, penalizada: "Reze, tome banhos frios... Eu sabia que essa ideia de ensinar adultos não ia dar certo.Veja, minha querida, o homem tem esposa,  se não tivesse, ainda que não fosse certo, poderia te apoiar, afinal de contas  nós moças temos que de alguma forma aliviar o fardo da nossa virgindade... Mas nesse caso... Não torne o mundo mais podre do que já é, Catarina!"
      E  Catarina resolveu que não deixaria de ser a boa moça que sempre fora por que um capricho da natureza impelia-a a tomar atitudes torpes contra as leis de Deus. Sentiu-se mais calma, até pôde dormir um pouco durante a tarde, cansada que estava das ultimas noites sem sossego, e sonhou com amenidades. 
     Aliviada, acordou no final da tarde para ir ao grupo escolar. Ao entrar em sala de aula rezou sem olhar para o fundo da classe, de olhos fechados implorou a Deus que aquela paz continuasse. Mas, ao abrir os olhos, lá estavam os dele, fixos nos dela. Não obstante teria de lhe dar uma resposta a proposta da carta. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

"Das Verdades Que a Gente Não Fala. Percebe, Mas Se Cala" ou "Alerta Para uma Pobre Inocente, Agora Enrascada"

Ela piscou e eu disse sim
foi fácil assim
não teria mais que guardar em mim
frustrações e os receios enfim

Eu sou cheio de manias
mas ela não sabia
Piscou e eu disse sim
e agora ela carrega pra mim
meus complexos sem fim

Eu não me resolvo
por que tenho preguiça
Cá entre nós
é muito mais fácil
seguir sem revista
daquilo que sou realmente
atrás dessa minha cara sempre sorridente

Essa minha simpatia
É puramente fantasia
Pra não contrariar ninguém
Por que prefiro morrer
A saber 
Que alguém por mim tem desdém

Não preciso ser amado
Nem mesmo idolatrado
Mais que isso 
Só preciso ser bem falado


Ela piscou, eu disse sim
Agora ela carrega pra mim
Montes de problemas sem fim
Que eu prefiro projetar nos outros
Por que doi menos que em mim


domingo, 8 de julho de 2012

O Sexto Mandamento


  "Se pensamentos voluptuosos já nos tornam adúlteros de fato, mesmo que nenhuma ação desses pensamentos tenha se derivado,estamos todos fatalmente condenados a danação eterna . Se o desejo que nos brota natural e inevitavelmente, é de fato tão deveras perigoso, justo seria que não tivéssemos então capacidade de  produzi-lo e assim viver em paz...". (Diário de  Catarina , 22/05/1942)


  Parte 3: Tendências

         Ele não tinha dinheiro, tampouco boas roupas, mas bem vestia-se para ir a aula com o que podia.  Era um ritual para o jovem pai de família ir a escola, tal como era ir a igreja aos domingos. Mas o ritual era para as letras, não para ela,  Catarina, moça rigorosa, seguidora das leis, que ao entrar na sala de aula sempre fazia de leve uma referência a foto do presidente Vargas na parede, e arrepiava-se de emoção ao cantar o hino nacional.
          Às seis e meia, os homens e mulheres de sua turma entraram na sala de aula e fizeram a oração do dia. Catarina repetia aquelas palavras sem meditar, sabendo que sobre ela pairava o inquisidor olhar de Deus, reprovando-na na baixeza de seus desejos."O ser humano é de fato criatura sem ética, de aguçada tendência a imoralidade e a convivência com seus iguais trata de piorá-lo." ouvira Elena dizer  certo dia e pela primeira concordava.  
       Ela não tinha menor duvida que o odor de seus sonhos ultrapassava as barreiras do onírico e tomava-lhe de assalto a pele, muito bem coberta pelos panos de seus vestidos, mas indisfarçável ao faro aguçado da podre alma que habita o gênero masculino. Pois que uma semana depois do início dos infortúnios no seu sono, o protagonista deles tornou-se o mais aplicado dos alunos. Todos os dias trazia algo além das lições de casa, que ela corrigia e elogiava friamente "Continue assim.". Ele, por sua vez, voltava para sua carteira satisfeito, e não desgrudava dela os olhos claros, o borrão azul no rosto castigado pelo sol. 
           No final da noite a turma saia sempre apressada e exausta, por que o trabalho se iniciava cedo no outro dia "Mas eu ainda tenho uma dúvida..." ele lhe disse, a voz fazendo eco na sala vazia. "Amanhã, está bem?" ela organizava os livros sobre a mesa. Os olhos baixos fugindo dos dele, enquanto os dele divertiam-se em persegui-la. "Amanhã está bem, professora."e tocou-lhe a mão. Catarina por sua vez lançou para ele olhar assustado de bicho ferido, encararam-se por alguns segundos, o maldito borrão azul "Está tudo bem, professora?" ela retirou a mão, a respiração alterada "Mas claro. Agora vamos embora. Por favor. " era quase uma súplica. 

domingo, 1 de julho de 2012

O Sexto Mandamento

Parte 2: Nebulosas


            A noite ensinava adultos. "Precisamos de uma moça respeitável para ensinar essa peãozada iletrada." dissera-lhe o diretor, que passava pelas turmas adultas sempre com olhar vigilante, como se as professoras fossem moçoilas casadoiras namorando na sala de estar de uma casa de família. 
         Mas Catarina ultimamente ignorava a vigilância, e quando a tarde ia caindo roía às vezes o canto das unhas até ver um ponta de sangue sair, divertia-se com a pequena dor aguda, tirando o foco da ansiedade profunda que tomava conta dela ao chegar no Grupo Escolar, enquanto escurecia. Era borrão azulado no fundo da sala que andava lhe causando problemas insones.
         Ele era magro como o filho . Tinha ainda os dentes muito brancos e fazia piadas enquanto sorvia com avidez o café na hora dos intervalos. Ensinava o filho de manhã e o pai a noite, o mesmo nome ( ela recém lera Um Certo Capitão Rodrigo, a associação era inevitável), os mesmos olhos, mas em carteiras diferentes, o pai  sentava-se no fundo, a despeito da atitude do filho, talvez pela altura que ostentava. 
       E foi por esses idos que começou a ter os inoportunos sonhos com o homem, que fustigavam-na numa ansiedade absurda e deixavam-na descontar numa criança o ódio dos incômodos ardentes que lhe lembravam os olhos do pequeno (tão idênticos ao do pai que alguém diria moldados a cirurgia, se naquela época plástica houvesse...). 
     "Tenho vinte e cinco anos"  ela o ouviu dizer no corredor a outro amigo. "Casou-se muito cedo", ela pensou, pois o filho não teria outro pai com olhos tão parecidos com os dele daquela forma. E casar-se cedo era comum àquela gente, eles viviam sempre tão pouco. Casar-se era menos viver com alguém ao lado que assumir compromisso com Deus, repetia a si mesma, mas àquela noite antes de dormir, penteou-se e perfumou-se instintivamente, como se o moço fosse dormir ao seu lado de fato, não sem antes faze-la cavalgar sobre ele durante horas a fio, como uma amazona mitológica. Perfumou-se, mas dormiu rezando. O que pouco adiantou, pois quando acordou, as cinco e quarenta e cinco da manhã, a camisola embebida em suor e o cabelo desfeito acusavam-na de um crime cuja culpa era tão subconsciente que ela chegou a odiar-se como se fosse uma estranha  de si mesma. O suplício estava longe de acabar....