segunda-feira, 11 de abril de 2011

Eu, o casaco do vizinho e a noite que não chega nunca....

Volto para casa ao entardecer.O céu está pouco azul e muito amarelo e o vento está cortante.Entro no meu apartamento e a noite não chega nunca.Vou então até a laje do meu prédio,o céu agora meio azul,meio amarelo.Desejo encontrar meu vizinho lá,eu já o vi subir lá algumas vezes,e seria bom vê-lo por que o vento está jogando meu cabelo para trás e eu acho isso muito poético.

Porém,lá em cima não o encontro ,na verdade eu nunca encontro ninguém,por isso já desisti de visitar pessoas. As vezes sou dramática,tenho dó de mim,como uma mocinha de novela mexicana.Auto piedade porém sempre me soou piegas,desprezo gente assim.O defeito é exclusividade minha.Faz parte do drama.

Desço a escada espiral do meu prédio rumo ao meu apartamento.A escada parece cenário de filme de terror,lúgubre com aquela luzinha meio amarelada,mas tenho que passar por ela sempre,pois não há elevadores,meu prédio é subdesenvolvido.

Chego de volta ao meu apartamento e ainda não é noite,é horário de verão,aliás que verão?É outubro e venta gelado como em junho.Parece até uma tentativa maluca do governo de importar os finais de ano gelados da Europa.

Beiro o ridículo e divago debilmente no sofá,enquanto ouço passos na escada espiral e um barulho na fechadura alheia.É o vizinho chegando ,cansado da labuta.Trabalha em fábrica.Um partidão!”, diria minha mãe. Toda mãe quer um genro que trabalhe em fábrica.

Cochilo e acabo sonhando que o vizinho vinha sobre mim e assoprava meu umbigo, com um barulho característico, como o que a gente faz com criança pequena.

Acordo assustada com a campainha.Pela janela ainda restam muitos vestígios amarelos no céu azul marinho,e eu sinto meu umbigo se perguntar se o vizinho realmente o assopraria na realidade.A campainha soa mais uma vez,impaciente. Abro a porta.È o próprio.Pergunto-me se ele também é sozinho.Deve ter uns trinta e dois anos.

-Vinte nove –ele me responde com uma xícara nas mãos.Eu não sou boa em adivinhações ou a labuta envelheceu meu vizinho?Ele veio apenas pedir café emprestado.E eu me resignei como sempre.

E nada da noite chegar.O vizinho volta para casa e eu deito no sofá outra vez.Havia um corpo estranho ali, um casaco esquecido.Deito no tapete, agarrada aquela terna lembrança, que exala odor desagradável de suor, mas é cheiro de gente, e eu sou a Robson Crusoé urbana,me apego a qualquer vestígio de humanidade.Seria o vizinho meu Sexta-Feira?Se for,chama-lo-ei Sábado ,pois no sábado é que as grandes coisas acontecem.De qualquer maneira sexta feira é dia de macumba e meu vizinho não merece tal alcunha.Sou viciada em português arcaico,amo mesóclises,me apego á elas por que foram esquecidas do vocabulário,assim como o casaco do vizinho foi esquecido em meu sofá,e eu fui esquecida do resto do mundo.

O céu agora é noventa e cinco por cento azul,já deve ter começado a novela,mas meus olhos estão pesados por isso eu os fecho tão rápido.Enfim a noite chega.Mas chega em vão,pois quando finalmente torno a abri-los,o céu está todo amarelo de novo.É dia e eu vou ter que esperar mais doze ou treze horas até ver a noite chegar outra vez.

Um comentário:

Unknown disse...

Dani, seus textos estão cada vez melhores, mais profundos, mas mantendo sempre um aroma refrescante. Condizem exatamente com o título do blog. Parabéns, passo sempre por aqui! Beijão!