quinta-feira, 10 de março de 2011

Amor de mãe parte II

“As my life flash before my eye I’m wondering will i ever see another sunrise?So many won’t get the change to say goodbye, but It’s too late to think of the value of my life...”(Russian Roulette)

O Zacarias nunca ficou muito tempo no seminário, por que acabaram concluindo por lá que ele não tinha vocação nenhuma, caso perdido apenas tentar convencer a mãe dele disso.Conversamos duas vezes.Os olhos ferozes e fervorosos, o medo de ficar sozinha, mãe de padre é mais paparicada do que sogra, por que não tem apenas uma nora, mas uma igreja inteira de fieis disposta a ajudar a mãe do santo.

Jamais disse ao Zacarias que a mãe biológica aparecera anos depois atrás de notícias, mas ele acabou descobrindo por si só porque ouviu uma conversa das duas pelo telefone. Preferiu calar-se fingir que não sabia de nada, desde pequeno sabia que com gente doida sempre se concorda, a mãe biológica ate então não fizera falta, só começou a sentir o peso da obrigação do seminário depois dos doze anos.

Quando voltava das compulsórias incursões no seminário voltava também ao colégio e a vida normal, as meninas olhavam os olhos azuis marinho não sem uma certa desconfiança, era bonito, dançava até muito bem também, mas elas preferiam os malvados. Enquanto isso, eu sempre buscando entre a barulhenta massa uniformizada um olhar do rapaz que nas tardes quentes aparecia no meu apartamento tomando uma coca e falando freneticamente das coisas do seu dia, eu ouvia, tomava nota, tomava coca, fazia amor.

Foi quando começou a chuva. Não parou mais, aquele céu plúmbeo, e muita água, descendo pelas calhas, eu fui levá-lo ate o portão, acabara de escurecer, era tão cedo, meu prédio era pequeno e não tinha porteiro, eu fui levá-lo ate o portão, ele andava mais cabisbaixo por que definitivamente iria embora, decidira uma dia antes, ia embora sim para qualquer lugar que fosse, aquela idéia que toma de assalto sempre as crianças, de fugir de casa e ser dono das decisões, quanta inocência, não podia mais conviver com ela, que o queria para si tão egoísta, só faltava fazê-lo ajoelhar no milho, doida, doida doída...

Eu me despedi dele discretamente, vá com Deus Zacarias, tire da cabeça essa idéia de fuga, é bobagem,você sabe ,fique bem, senão por você, por mim, eu me preocupo, na verdade era puro complexo de Édipo, eu só percebo isso agora, mas não me importa mais, por que só importa é que era, foi, bonito, ou não, foi.

Ele ia embora, atravessar a rua na bicicleta e veio o carro , ela era ainda uma mulher jovem , os braços gordos segurando o volante, então era isso, era fúria , ela o tinha seguido talvez, viu o beijo, aquilo não foi nada,ela já não pode afirmar nada,mas naquele momento gritava inconformada,meu filho, você se perdeu, havia algo de pastoso naquela voz, minutos se arrastando, ela ainda gritou antes de acelerar o carro, ele virou-se para ver de onde vinha o susto, o grito, o motor roncando, ainda tentou voltar para a calçada, mas o carro avançou para ele arremessando do outro lado da rua seu corpo e batendo num poste logo a frente.Em quem ela queria realmente acertar seu fiat, eu me pergunto, foram segundos que passaram como séculos de vida.Eu vi o carro virar ferro velho e me nunca na minha vida me importei tão pouco com um ser humano como naquele momento. Ela escolhera aquilo, ela e só ela.

A chuva continuava agora bem fraca , um sereno, parada onde estava vi Zacarias procurar conforto com os olhos pueris desesperados por respostas.E o silencio.Nem a chuva quis mais falar, calou-se, Zacarias e os olhos piscando frenéticos, que respostas, quais?

Fui sentando-me no portão, a cabeça entre os joelhos, dando tudo na vida para jamais ter visto nada, para ter nascido cega. Mas mesmo que a cegueira agora me atingisse de nada adiantaria por que já havia visto tudo e a única memória da luz que me restaria seria essa. Com a cabeça entre os joelhos eu fiquei até me tirarem dali, apática e presa num eterno replay. Com a cabeça entre os joelhos eu não quis er mais nada. Não quero mais lembrar.Tenho que voltar para minha casa, tenho que tentar fechar os olhos e dormir, por que agora a chuva parou de vez, a rua molhada reflete os postes, ainda está ali a lata de coca cola, no criado mudo, é melhor que limpem logo a rua, limpem o mundo, que eu preciso dormir. Amanha tenho meus mortos pra enterrar.

Um comentário:

Unknown disse...

pesado. mas ótimo. onde você escondeu esse talento todo de escritora até hoje? publica isso, minha filha! acabou de ganhar mais uma fã.