segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mariana abre o baú...2005

Meu pai pendura sacos de leite vazios no varal. Diz que é para reciclagem, para não ficar os restos do leite no fundo. Ninguém entende por que tem tantos sacos de leite no varal da minha casa. Tem flores plantadas em fundo de garrafa pet e em ex-potes de sorvete napolitano. Aliás, na minha casa também tem tanque de plástico fingindo ser de pedra e aquele azulejo cor-de-rosa nos banheiros. Banheiro cor-de-rosa foi moda lá na década de quarenta, no máximo. Eu acho charmoso. Tem gente que acha brega e quando algum azulejo cai ,para substituí-lo,é difícil. Saiu de linha há mais de trinta anos.

Na minha casa tem assoalho e teto de madeira. Às vezes as paredes rugem de dor nas costas. É a idade. Eu amo essas paredes e o teto e o assoalho e os sacos de leite no varal. E papai também, é claro.

Ninguém entende papai. Velho sargento ,depois que mamãe morreu ficou matusquela.Foi tia Elvira quem disse isso.Mas eu não acho. Aliás, tia Elvira é quem me parece fora do normal, ela quebrou todos os discos dos Menudos que a prima Ritoca tinha, sob a justificativa de que filha dela não ouve música de pecado. Depois vem dizer que papai é o matusquela! Qual problema de se pendurar sacos de leite no varal?

Às vezes eu penso que a minha casa é muito grande apenas para eu e papai morarmos. O tempo todo na TV passam pessoas, pobres, que moram em poucos cômodos amontoados enquanto eu e papai moramos sozinhos numa casa de sete quartos! Antes tinha a mamãe, a Maria Lúcia, a Maria Elena, a Ana Eliza e o Oswaldinho.Todos esses meus irmãos. Mas Lucia e Elena se casaram, Eliza foi embora por que queria terminar de estudar em São Paulo, e o Oswaldinho virou padre, maior orgulho da mamãe, que morreu há algum tempo. Então sobrei aqui com papai e a Lauzinda, a empregada. Ela é estranha fuma cachimbo, tem um cheiro horrível .As pessoas dizem que ela faz macumba.Eu não acredito.

As pessoas também dizem que tem dó de mim,tão menina já meio sozinha. Mas no fundo é pura inveja ,por que moro no casarão da rua Getulio Vargas( papai ama Getulio Vargas), que tem janelas verdes e muro de tijolinho baixo.Papai diz que não tem perigo entrar ladrão por que eles acham que aqui é mal assombrado. Mas se for mamãe quem assombra então é bem assombrado, por que mamãe era muito boa.

Eu queria medir os rodapés de madeira, os porta-retratos da estante,os quadros de borboletas mortas no corredor. Mas a Eliza me disse que tenho que estudar se quiser ser uma mulher moderna. Por mim eu jamais sairia daqui. O mundo é ainda muito maior que o casarão. Prefiro passar a vida com papai e seus três gatos. Tem um branco de olhos verdes, outro cinza e um laranja que mia embaixo da minha janela toda manhã, até eu dar leite para ele. Enquanto tudo isso existir eu quero ficar aqui. O que vai acontecer depois já é outra historia...

Um comentário:

Carol Galharte disse...

hora de sair do casarão!